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O Chinês que quer mudar o mundo com o dedo do meio

Alguns anos atrás eu estive em uma exposição do artista chinês Ai Weiwei no museu de arte moderna Tate em Londres. Como acontece em muitos museus e peças de arte moderna eu fiquei indagando minha “esperteza” tentando entender o que via.

2a foto: Peter Macdiarmid/Getty Images

Espaço preenchido por sementes feitas e pintadas uma a uma à mão por mais de 1600 chineses – 1a foto: Tirei durante minha visita em 2011 no Tate Modern em Londres. 2a foto: Peter Macdiarmid/Getty Images

Como pode uma pessoa gastar tanto tempo e energia em uma obra sem pé nem cabeça?

Foi o primeiro pensamento que me veio à cabeça quando eu vi dentro do salão principal um espaço do tamanho de uma piscina grande completamente preenchida por sementes de girassol de cerâmica feitas e pintadas à mão! Uma por uma! O esforço daquele trabalho monumental e sobre-humano fez ainda menos sentido quando eu vi que foram contratados mais de 1600 artesãos em um trabalho que durou dois anos e meio. Se a intenção era chamar a atenção, o artista conseguiu. Mas a que custo?

Seu nome iria ficar gravado na minha cabeça e pelo próximos anos eu começaria a entender aquela obra e apreciá-la. Foi talvez necessário eu viajar à China para ficha cair e me tornar fã desse artista que entre suas obras mais famosas há fotos suas expondo o dedo do meio em lugares como a Casa Branca, Tiananmen Square e a Torre Eiffel.

Como muitas artes são proibidas na China, um tempo depois ou ouvi nas notícias que esse artista acabou sendo preso por lá. Por se opor ao governo chinês sua fama começou a aumentar e eu estava curioso para saber a opinião dos meus alunos, em uma escola no interior da China onde tive a oportunidade de “ensinar” inglês por alguns dias. “Quem?”, perguntaram. Nunca ouviram falar. Eu pedi que buscassem no google o nome dele (aula do século 21 todos estão conectados a rede, ainda que limitado) e eles nem sabiam escrever a palavra google. Fui descobrir que aqui eles usam Baidu, uma site de busca todo controlado pelo governo.

Tentando saber o que eles acham do sistema socialista chinês, acabei fazendo a pergunta proibida: “Vocês gostam do seu governo?” A maioria fez sim com a cabeça enquanto o resto deu de ombros, até que um menino começou a me explicar que o governo chinês é composto por um partido único e que 500 pessoas são escolhidas para representar a população chinesa na escolha desse partido. Então ele deixou claro, 500 pessoas para representarem os um bilhão e trezentos milhões de chineses. Sendo que a maioria desses 500 são ricos da alta classe chinesa que apenas querem manter o status de prestígio e a riqueza própria. Os outros alunos incomodados com o que o colega me dizia começaram a repreendê-lo, falando que ele estava falando besteiras. Ele seguiu me contando que por ele entender de programação de computador, ele tem acesso às informações que a maioria dos chineses não têm e que por isso ele é revoltado com o governo e com a “mente limitada” do restante da população. Aparentemente incomodados os outros alunos começaram a conversar entre si enquanto aquele jovem corajosamente seguia me contando as mazelas do país.

É realmente difícil imaginar viver num país em que tudo é estritamente controlado pelo governo. De todos os países em desenvolvimento não tem um país que oferece tanta liberdade ao cidadão como o Brasil e muitas vezes a gente acaba não dando valor a isso e esquece que cada indivíduo no Brasil pode ter uma voz escutada por tantos outras pessoas. Isso é fantástico! O simples fato de eu ter esse blog pessoal e colocar qualquer opinião aqui sem ser censurado é com certeza um passo dado muito grande rumo ao desenvolvimento, coisa que não era possível alguns anos atrás!

Quem sabe o que passa com a população da China atualmente vai ter interpretações vastas sobre a arte de tamanho oceânico de Waiwai. Sua piscina de girassóis cobriu uma área de 100 metros quadrados com um total de 100 milhões de sementes pesando 150 toneladas! O site dos museus Smithsonian questiona “a escala do trabalho que é ao mesmo tempo minúsculo e  vasto – gota de chuva e oceano – que não é menos insano do que a sociedade de consumo “Made in China” e seus desejos intermináveis. Será que o número de sementes refletem a estonteante quantidade de dinheiro geradas por corporações e nações? Será que elas sugerem simultaneamente as ondas de fome que marcaram a história chinesa? Será que elas evocam o breve momento da liberdade cultural em 1956 conhecido como “Campanha das Cem Flores”? Será que eles representam ao mesmo tempo os cidadãos e a nação, o indivíduo e a massa dotando ambos com um ar de possibilidades geminadas? E será que a China vai um dia brotar com a intensidade de alegria das sementes de girassol de Van Gogh?”

Como toda boa arte essa não é presa a significados concretos e os questionamentos que ela geram podem sim ser capazes de mudar um país e por que não o mundo? Talvez essa frase do Ai Weiwei nos ajude a entender melhor: “Educação  deveria te ensinar a pensar, mas eles querem apenas controlar a mente de todo mundo. O maior medo do regime é a livre discussão”.

A mais nova invenção de Ai Wei Wei,  centrada no tema “Controle x Liberdade”, foi instalada na prisão de Alcatraz em São Francisco para exibição desde antes de ontem (27 de Setembro 2014) à 26 de Abril de 2015. Ironicamente, Ai preso no próprio país, não pode vir aos EUA contemplar sua própria arte.

Você, como eu, já chegou a pensar que algumas artes são inúteis? Alguma coisa te fez mudar esse pensamento?

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2 Comentários à O Chinês que quer mudar o mundo com o dedo do meio

  1. Lucas 30/09/2014 at 11:11 #

    Antigamente eu realmente pensava que certas artes eram inúteis. Hoje, o que eu penso, é que arte é uma forma de expressão, o que creio ser verdade. Tanto quanto palavras, emoções e gestos, a arte expressa algo, uma ou várias emoções, transmite uma ideia, ou deseja comunicar algo, de forma sutil ou gritante. Agora eu te pergunto uma coisa: a expressão deve ter alguma utilidade? Qual é a utilidade de rir, chorar, ficar com raiva ou compartilhar o que você pensa sobre qualquer coisa com o mundo? O que vai acontecer, é que você vai provocar reações nas pessoas: alegria, nojo, desgosto, contemplação, dúvida, raiva, dó… e reflexões, dentre uma infinidade de possibilidades. Acho que objetivo principal do artista é de se expressar através da sua arte (talvez porque formas convencionais de expressão não são o suficiente para expressar o tamanho de suas emoções) e, como recompensa, provocar reflexões e emoções nas pessoas. Isso se aplica exatamente a Ai Weiwei, que faz muito bem o seu trabalho, suscitando em qualquer pessoa pelo menos uma minima curiosidade de saber o porquê de sua obra, causando assim uma reflexão.

    Abraços!

    Lucas

    • Gusti 07/10/2014 at 20:10 #

      Lucas, eu já me preparava para responder sua pergunta quando eu vi que você mesmo a respondeu tão bem! Acho que todas essas reações e reflexões que são provocadas pela arte nos fazem colocar no lugar de outras pessoas e dessa forma nos leva a ter novas perspectivas e olhar um tema a partir do olhar do outro. Isso faz parte na nossa missão de aprender a amar!

      Um abraço!

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