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Carta para meu eu de 70 anos

Me questionando o que fazia idosos não parecerem pessoas velhas mesmo apesar da idade e dos desgastes físicos, eu comecei a pensar nos meus amigos “mais experientes na vida” e a conclusão que eu cheguei eu quis fazer questão de não esquecer quando eu fosse mais velho.

Alguns anos atrás dentro de um voo de Miami à Seattle eu sentei ao lado de um casal que falava em português. Eu logo me apresentei como brasileiro e eles me perguntaram de onde eu era. De Belo Horizonte, disse. O homem que devia ter mais de 40 anos então me diz que seu avô tinha acabado de trabalhar em um projeto na minha cidade; a nova cidade administrativa, disse. Ah do Oscar Niemeyer? Perguntei. “Sim, ele que é meu avô!”. Surpreso indaguei se o avô dele ainda trabalhava beirando os 100 anos de idade. Claro, disse ele, ele não para nunca! Inclusive agora está aprendendo grego. Esse era mais um exemplo claro, do segredo de não “envelhecer”.

Com medo de chegar aos 70 anos e esquecer dessa minha impressão aos 27 anos decidi escrever uma carta pra mim mesmo. Acabei me empolgando e comecei a contar os assuntos da política e do que tem acontecido no mundo. Antes de publicar a carta no blog ou configurar o e-mail para ser enviado em 2057, pedi a opinião dos amigos sobre o que eu deveria acrescentar na carta. Claro, faltava muita coisa ali, inclusive detalhes da minha vida pessoal que não teria necessidade de deixar aqui para todo mundo ler. Faltou considerações importantes e detalhes da minha família e dos meus amigos. Gente tão importante para minha vida que não deveria ser necessário ter uma carta para recordar, mas não deixam de estar na carta oficial. Como completou uma amiga americana Cherry (outra aposentada que não pára de viajar, agora mesmo está na China) tirei o chapéu para seu comentário:

“Por todas as coisas que estavam erradas no mundo quando você tinha 27 anos, ainda havia muitas coisas maravilhosas, mas principalmente as pessoas que você conheceu nas suas viagens pelo mundo. Aqueles que te inspiraram a ser o melhor que poderia ser, que riu durante os percalços e aventuras, que compartilharam da vida, da amizade e do amor. Desejo para o seu 70 anos de idade lembrar do amor acima de tudo”.

E eu meus irmão no estádio em um dos jogos da Copa do Mundo

E eu meus irmão no estádio em um dos jogos da Copa do Mundo de 2014

Segue então o rascunho da carta “pública”:

Olá Seu Gusti, espero que você ainda seja capaz de ler essa carta, caso contrário, peça alguém para ler para você. Estamos no ano de 2014, quando você ainda tinha acabado de completar 27 anos de idade e conhecer 73 países. Esse foi um ano marcante no Brasil, foi o ano que hospedamos a copa do mundo. Até a copa começar ninguém falava sobre mais nada nesse país. Até você que nunca foi muito fã de futebol estava ligado na TV, querendo saber o resultado dos jogos e principalmente antes da copa começar, ficava na mesma expectativa de todos, de saber se o Brasil estaria preparado para um evento daquela escala. A frase “da hora” era: Só quero ver na Copa.

Em alguns países da Ásia e da África onde você esteve, você engajou em conversas animadas sobre futebol e foi com os etíopes que você acabou conhecendo os nomes dos jogadores que defenderiam a nossa pátria. Neymar era o nome do momento, como se fosse a estrela e o herói nacional. A copa trouxe muita coisa para o Brasil, não apenas estádios grandiosos em lugares como Manaus (aliás, eu te pergunto, o que eles fizeram com aquilo por lá?) alguns aeroportos maiores, obras de infraestrutura e muitos gringos mas trouxe principalmente consciência de cidadania para a população.

Quando os custos das obras financiadas pelo governo começou a sair na mídia, o povo se revoltou, houve tumultos, quebra-quebra. Talvez nem tenha havido muita corrupção na construção dos estádios mas foi a primeira vez que um número grande de cidadãos brasileiros parou para pensar nos custos do Brasil. Aqui se diz que gastamos para essa copa o equivalente às últimas três copas mundiais. É de se revoltar sim, mas o que parece que o povo não percebia é que o que foi gasto é um valor ínfimo se comparado ao que perdemos todos os anos por aqui. Se o povo soubesse que o valor do imposto de todas as coisas que eles compram no Brasil chega à média de 50% aí sim eu queria ver onde as revoltas iriam chegar!

O pior são as obras bilionárias que começam mas nunca chegam a lugar nenhum. Na transposição do Rio São Francisco por exemplo parado à mais de dois já foram gastos mais de 8 bilhões de reais. Em apenas uma obra inacabada mais do que o custo de todos os estádios da copa. Linhas de trem, estradas, hospitais, etc e etc são todas obras que começaram no governo Lula e de outros mas nunca terminaram. Se a população soubesse do quanto já foi gasto para não vermos resultado não existiria chance de ver o PT de volta no governo.

Mas apesar de todos os problemas, os brasileiros mantém a esperança como mantiveram na copa e mesmo com um time que não era lá essas grandes coisas estávamos todos vidrados nas televisões e telões quando tivemos a cereja do bolo: Perdemos de 7 a 1 para a Alemanha. Foi triste mas no fundo você estava achando bom. Era como que se tivéssemos levados um balde de água fria coletivo (falar em balde de água fria… ah, deixa para lá) e a bronca: Acorda Brasil!

E era para acordamos mesmo porque alguns meses depois estaríamos escolhendo o presidente que comandaria os rumos dessa nação. Fora do Brasil, um pequeno grupo terrorista (ISIS) e um vírus mortal (Ebola) na África tem chamado a atenção do mundo todo. Aqui nos EUA se anda falando em Terceira Guerra Mundial, se não fim do mundo. Ontem eu liguei a televisão e fiquei literalmente com medo de por o pé para fora da porta. O mundo lá fora que a TV retrata é muito diferente e distorcido da realidade. Te força a querer ficar sentado no sofá e as pessoas parecem não perceberem o perigo maior de ficarem onde estão; definhando com o que veem na TV ou no computador, esperando o tempo passar no conforto e “segurança” de suas casas.

De repente quando elas passam da sua idade e olham para trás, ficam arrependidas das coisas que não fizeram. Se lamentando dos tempos que se foram e não voltam mais. A minha impressão é que damos atenção e foco para as coisas erradas. Sim, há ameaças de grupos extremistas, hora ou outra se fala na probabilidade de guerra nuclear. Muito drama pra pouca coisa, na minha opinião. A prova é que você está aí lendo essa carta mais de 40 anos depois, “vivinho da silva” eu espero (como ainda se diz nesses tempos).

Outro assunto que virou moda no Brasil é sobre os homossexuais. De um lado alguns fundamentalistas religiosos que sempre existiram, de Bíblia em punho falando que ficar ao lado da pessoa que você ama é pecado, é uma afronta e um desrespeito à família. Eles batem na mesma tecla da época em que defendiam a escravidão ou que impediam o casamento entre um branco e um negro. Mudam-se os tempos mas não tiram as viseiras, apenas miram para o outro lado. Mas o bom é lembrarmos que estamos em evolução e você deve estar até rindo abismado de como eram as coisas 40 e poucos anos atrás. Na outra extremidade alguns homossexuais enfurecidos apenas alimentam a polêmica com mais ódio e afrontas.

O curioso é que nesse cabo de guerra está em jogo até a escolha do presidente! Com tanta coisa mais importante para se preocupar aqui, o estado que se diz laico ainda quer meter a colher em assuntos de inteira responsabilidade dos indivíduos como matrimônio, aborto, eutanásia.

E antes que eu termine essa carta eu só quero te lembrar de alguns amigos que você teve na sua juventude. Alguns tinham mais de 90 anos e uma delas era a Betty, aquela americana de Seattle (mas que nasceu no Havaí) que morreu com 98 anos. O que eu quero que você nunca esqueça é que apesar da idade e das dificuldades inerentes às décadas de vida, algumas dessas pessoas que você conheceu, como a própria Betty, que já quase não enxergavam ou ouviam sem ajuda de aparelhos, não pareciam envelhecer nunca e você observou muito bem o porquê na época.

Eram todas pessoas que nunca perderam a chama da curiosidade e a vontade de seguir aprendendo e evoluindo. Apesar das dificuldades nunca deixaram de serem otimistas. Apesar das afrontas e de serem alvos muitas vezes de ódio e injustiças, nunca deixaram de amar. Apesar das tolices, erros e arrependimentos nunca deixaram de se amar. Apesar das perdas e dos sofrimentos, nunca deixaram de sorrir. Essas pessoas Gusti, foram suas maiores referências e quem te fez enxergar o que realmente valia a pena nessa vida. Se você tiver a chance de viver nas décadas seguintes, nunca esqueça disso e nunca apague a chama que querendo ou não vai iluminar da mesma forma os jovens que tiverem a chance de te conhecer.

Um forte abraço de seu eu 43 anos atrás,

Gusti Junqueira

E você? O que você contaria para você mesmo daqui a 10, 20, 30 40 anos? Lições? Perrengues? O que você não gostaria de esquecer nunca?

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7 Comentários à Carta para meu eu de 70 anos

  1. Hamilton Domingues da Silva 02/10/2020 at 22:42 #

    Tenho 74 anos de vida. Me sinto um jovem rebelde. Faço tudo que eu gosto, dentro das minhas possibilidades financeiras. Moro sozinho a muito tempo, fazendo meu papel de dono do lar. As vezes a solidão bate, com uma vontade enorme ter uma companheira. Adoro exercícios, andar de bike, dançar, ouvir músicas da minha época anos 60. Prático muito sexo….bom demais. Enfim….vivo, sou feliz.

  2. Cris 15/10/2015 at 18:48 #

    Estou amando conhecer o seu blog. Simples e tocante.
    Parabéns!!
    Continue encantando os seus leitores e viajando demais!!!

    • Gusti 12/06/2016 at 16:36 #

      Valeu Cris! Por favor volte sempre! 🙂

  3. Cintia Cirino 07/09/2015 at 03:13 #

    Comecei a ler seu blog ontem a noite e agora são 3:11h da manhã!!!!!
    Simplesmente não consigo parar. Ainda bem que amanhã é feriado! haha
    Encantada e pouco.
    Obrigada mesmo por compartilhar; buscarei seguir varios de seus passos, hein!!!
    Te desejo paz além de todo o entendimento

    • Gusti 21/09/2015 at 20:06 #

      Oi Cintia,

      Poxa, obrigado pelo comentário! 🙂 Vou te epserar de volta nos próximos textos! 🙂 Volte sempre e boas viagens!

      Abraços!

  4. Adriano Chaves 09/10/2014 at 20:45 #

    Nossa cara, que coisa interessante . Acho que nunca tinha pensado nisso. Gostei da ideia da carta, das observações sobre “a nossa época”. Fiquei tão empolgado que pensei em fazer a minha também rsrsrs. Acho que você falou sobre coisas que com certeza servirão de reflexão para as próximas gerações e para o seu Eu de 70 anos – sem falar que já serve de reflexão hoje, sobre o que queremos ser quando chegarmos na melhor idade -.

    Estou sempre acompanhando o blog, os textos como sempre estão ótimos! Parabéns.

    • Gusti 12/10/2014 at 01:51 #

      Olá Adriano! Faça você também a sua! A ideia é fazer uma todo o ano… Bom saber que continua acompanhando o blog! Vou esperar seus futuros comentários! 🙂

      Abraços,

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