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Cruzando os EUA numa moto…

Segue meu relato diário pilotando uma moto Yamaha Magma 1999, 750cc por quase 6000 km de Seattle à Miami em 2012:
motorcycle road trip
Ao fim de mais de um dia inteiro pilotando pelas estradas americanas, pronto para entregar os pontos, uma luz chama atenção no meu retrovisor. É o sol, como uma bola de fogo mais uma vez me surpreendendo com sua magnitude ao se por no horizonte plano de um deserto, ofuscando aquela linha que de nossa perspectiva separamos o céu da terra. É realmente uma imagem inesquecível, que na impossibilidade de uma foto eu penso comigo mesmo: Queria lembrar desse momento para sempre! Não apenas pela beleza da paisagem mas principalmente pela sensação da presença de uma harmonia tão confortante. Apesar do cansaço e da dor nos músculos da bunda e das costas, o por do sol indica que estou a poucos minutos do meu destino, onde uma refeição, um longo banho e uma cama me esperam para me preparar para mais uma jornada. E eu agradeço por mais um dia perfeito e de paisagens tão lindas que tive a oportunidade de presenciar. Mas nem todos os dias foram assim perfeitos com esse espetáculo fechando o dia com chave de ouro…

Primeiro Dia (e o dia anterior):

 

motorcycle road trip 4

Mesmo com muita chuva, departo de Seattle em direção as montanhas rochosas que se estendem por toda a América do norte. A região do Pacífico Norte, onde Seattle e Vancouver se encontram, é pra mim uma das mais belas das Américas, se não do planeta. Mas muita gente, mesmo visitando por dias talvez não tem a sorte de ver toda essa beleza que a região tem a oferecer. As montanhas que abruptamente se elevam relativamente próximas a costa do Pacífico em boa parte do ano seguram as nuvens e a umidade que se aproximam do Oceano, fazendo a chuva e/ou a neve cair por semanas e ou meses. O dia da minha partida foi como um desses dias, de muita chuva, mas não pude reclamar. Nos últimos dois dias, meu amigo Don e eu partimos rumo às montanhas Olympics, perto da fronteira do Canadá, para uma missão especial: deixar as cinzas de sua madrasta que morreu no fim do ano passado aos quase 98 anos de idade. Betty foi uma pessoa tão especial pra mim que ainda em vida escrevi sobre ela aqui no blog. As florestas que crescem na região são impressionantes, pelo verde dos pinheiros, sua altura e os lagos que as cercam. O sol, coisa rara por aqui, fazia o verde brilhar tanto que não parecia real, a estrada algumas vezes me deu a impressão de ser alguma obra da Disney. Encrustada nessa região se encontra Forks, a cidadezinha da saga Crepúsculo, uma historia sobre vampiros. Em um restaurante clássico comecei a conversar com a garçonete que disse que os livros salvaram Forks e aquele restaurante de uma falência total. Ela explicou que a autora (que não conhecia a cidade) pesquisou no google a cidade que mais chovia nos EUA, Forks apareceu e ficou sendo a cidade dos vampiros. Apesar de pequena e pacata, pessoas do mundo todo começaram a visitá-la depois do sucesso dos livros e filmes (que eu ainda não li/assisti), e numa floresta ali perto, na estrada, uma jovem inglesa e um inglês colocavam o polegar pra fora pedindo carona. O destino deles era Port Angels, mas nos conectamos tanto como “mochileiros” que os convidamos para subirmos juntos Hurricane Ridge, onde deixaríamos as cinzas da Betty e de lá, para Seattle, onde oferecemos também um lugar para passarem a noite antes de continuarem a saga de chegar na Califórnia, pela costa do Pacífico por meio de caronas! (Depois ainda me chamam de louco). Foi engraçado, que falamos bastante da Betty enquanto eu dirigia, e pra ter certeza que eles estavam entendendo de quem falávamos eu acrescentava: “a senhora, que esta no porta malas, que vamos deixar nas montanhas”. Betty foi a própria pessoa que escolheu onde queria que deixássemos suas cinzas. Desconfio que sua intenção fosse menos pelo aspecto cerimonial que pelo fato de fazer com que quem for que a levasse tivesse a oportunidade de ter aquele presente aos olhos. Hurricane Ridge, é realmente um lugar especial cercado por montanhas nevadas (mesmo no verão) e por essas florestas de pinheiros incríveis. Senti uma paz muito grande de estar ali. De energia renovada e de missão cumprida, descemos a montanha, embarcamos na balsa e seguimos pra Seattle com nossos novos convidados que fecharam o dia com uma deliciosa janta que nos prepararam como forma de agradecimento.
No dia seguinte, já montado na moto, logo no primeiro minuto indicações surgiram de que não seria um passeio muito prazeroso. O para-brisa com a água da chuva dificultava bem a visão, tive que esticar o pescoço boa parte do tempo para ter certeza de que eu podia ver a estrada, e assim fui subindo as montanhas Cascades, com a visão também limitada pela neblina na estrada e com um incômodo crescente da água entrando nas minhas luvas e botas. Passei por Snoqualmie Pass, onde trabalhei numa estação de esqui pela primeira vez que vim aos EUA, e já estava pronto pra pedir arrego a uma amiga. Mas eu tinha que continuar, até que alguns quilômetros depois o queixo batendo de frio indicava que era hora de parar. Confesso que fiquei chateado comigo mesmo. No primeiro dia tinha conseguido andar apenas um pouco mais de 100 km, dos 5500? E eu já me sentia acabado!
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Segundo Dia:

 
Após uma boa noite de descanso em Ellensburg, Washington, o sol batendo na janela me deu o ânimo que eu precisava para partir e seguir para o sudeste. Gastei um bom tempo secando com um secador de cabelo minhas luvas e as botas e então continuei subindo a serra, dessa vez com muitas curvas e com a paisagem mudando drasticamente, de florestas de pinheiros gigantes a uma vegetação mais desértica. Foi uma viagem relativamente seca apesar de algumas chuvas de tempestade isoladas. Estava curtindo tanto poder pilotar sem chuva que eu tive uma atenção especial para as nuvens escuras e espessas de chuva (Cumulus Nimbus) que eu via no horizonte, torcendo que não estivessem na minha rota. Mas quando fui aproximando de Pendleton, Oregon, aquelas nuvens começaram dar um tom dramático á paisagem. Em momentos como esses eu senti muita falta de não poder pegar a câmera e tirar fotos. A chuva começou a cair sim, mas ela não me preocupou tanto como o vento, que após eu parar em um posto de gasolina, confirmei no meu i-phone, estava a 35Kts (65km/h)! E assim como eu aprendi a “caranguejar” em um avião com um vento lateral, logo eu percebi que é mais ou menos a mesma coisa em uma moto, mas o cuidado é especial numa ultrapassagem, princialmente de um caminhão, para corrigir a inclinação da moto, de acordo coma a variação do vento. Após a passagem da tempestade continuei pela estrada que passava por típicas cidades de filmes de “faroeste”, como Baker city no estado de Oregon. Cheguei em Boise, Idaho, no fim da tarde, onde passei a noite em um albergue. Apesar do cansaço, caminhei um pouco pela cidade que me impressionou pela quantidade de gente caminhando pelas ruas e pelos bares e restaurantes com mesas e cadeiras na calçada, num clima bem parecido ao brasileiro.
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Terceiro Dia:

 
Acordei bem cedo no dia seguinte, e Boise ficou pra trás. O nascer do sol iluminava a estrada que começava ficar cada vez mais reta em uma paisagem cada vez mais deserta. Planejar as paradas em postos de gasolinas começaram a ter uma prioridade maior, já que eles se tornavam cada vez mais raros. Como um tanque me levava por aproximadamente 100 milhas e contando que muitas vezes postos estão distantes a mais de 50 milhas entre si, se eu deixasse passar um significaria ficar parado na estrada, no meio do deserto. E como muitas vezes eu tinha que adentrar em cidadelas que estavam fora da estrada, abastecer tomou uma boa parte do meu tempo. Mas não deixavam de ser uma experiência à parte, poder conhecer um pouco da vida rural norte-americana, tão pouco divulgada. Bliss que significa benção em português, é uma dessas vilas rurais que parei para abastecer já usando o tanque reserva. Uma verdadeira “bênção” com seus campos de plantio, banhados por um rio, que depois fui observar, se chamava “Snake River” que eu lembro de sempre admirar nos descansos de tela que vinham com o windows antigamente. Provavelmente devido às suas curvas acentuadas ele leva esse nome que em Português significa, “Rio Cobra”. Outro lugar bem interessante que me salvou com a santa (e cara!) gasolina se chamava, Middle of Nowhere, ou Meio do Nada, em Português. E foi nesse meio do nada, no deserto, onde paguei pela gasolina mais cara de toda a viagem: U$4,59 o galão (aprox R$ 2,40/litro).
O estado de Utah chegou, e com ele suas formações rochosas incríveis, num terreno desértico muitas vezes a mais de 7000 pés (2133 metros) de altitude. Ao longo da estrada as mais diferentes formas de relevo surgiam, com suas pontas abruptas e bem definidas, camadas sobre camadas de uma rocha vermelho alaranjado. Pelo menos consegui parar em uma área de descanso onde eu pude fotografar parte dessa formação. Essas áreas de descanso são interessantes e muito comuns nos EUA e no Canadá, onde o governo oferece banheiros, água, máquinas de vender lanches e mesas e cadeiras para descanso. Geralmente não se distanciam por mais de 40 milhas uma da outra. Me aproximei de Laramie, perto de Cheyenne, no estado de Wyoming, com o por do sol mais uma vez brilhando no retrovisor. Porém esse sol que trazia essa sensação serena e de missão cumprida, parecia querer me castigar no dia seguinte.
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Quarto Dia:

 
Ainda no estado de Wyoming, após partir de Laramie as seis da manhã, uma fumaça se estendia a longas distâncias. Passei por Cheyenne e uma conferida nas imagens de radar me fizeram tomar a decisão de seguir para o sul em direção a Denver em vez de continuar na mesma estrada para leste, onde céu coberto e chuvas tomavam conta da região. Era um desvio de aproximadamente mais de uma hora, que eu não hesitei em tomar para garantir um percurso mais seco. Mas eu não esperava que fosse tão seco, e quente. Ainda de manhã, o bafo que vinha do asfalto e a fumaça que se estendia pelo estado do colorado, dava um aspecto infernal aquele percurso, e adentrando pelo estado de Kansas a fumaça diminuiu mas o calor e também o vento chegavam a ser quase insuportáveis. Até a moto parecia não estar gostando daquilo pedindo troca de tanque em distância irregulares. Em uma dessas trocas de tanque ela chegou a engasgar, perder força e parar no meio da estrada, me dando um baita susto. O asfalto estava tão quente que dava a impressão de que a minha bota iria derreter! Mas a moto ligou e eu fui direto pro posto de gasolina mais próximo, que foi o menos digamos, convencional. Como todos os postos de gasolina por aqui, você mesmo abastece o seu tanque (com exceção do estado de Oregon) e paga com cartão de crédito, direto na bomba. Nesse caso, no meio de um outro nada, tive pagar dentro do estabelecimento desse posto que era na verdade a própria casa de um casal de velhinhos, que me tratou com muita cordialidade. Na sala estavam sentados um vovô e uma criança que devia ser seu neto, tentando se refrescar com o ventilador que tentava abanar aquele calor. A velhinha saiu da casa para ver na bomba quanto eu tinha colocado de gasolina e me sentindo um idiota de perguntar se aceitava cartão ela me respondeu, pra minha surpresa que aceitava VISA e Mastercard, parecia até propaganda de cartão de crédito. Nessa viagem, confesso que senti falta de poder interagir mais com as pessoas, conhecer os locais, ter tempo de poder explorar os lugares com mais calma como tento fazer sempre, mas como eu tinha um certo prazo pra chegar na Florida, isso não foi possível. Mas ainda assim, vez ou outra no posto de gasolina sempre tinha alguém querendo puxar um papo, perguntando pra onde eu estava indo quando viam que a placa era do estado de Washington, principalmente como comecei ficar cada vez mais longe daquele estado. Mas naquele dia o comentário principal era: Que calor! A cada parada num posto de gasolina eu suava tanto que me molhava mais do que quando estava chovendo. Para se ter uma ideia, em quase todos os postos de gasolina o calor era tanto que eu parava e comprava uma garrafinha de água ou gatorade, e mesmo tomando umas oito durante todo o dia, eu só precisei usar o banheiro pra fazer xixi no fim do dia quando cheguei em Kansas City. (Com mais um por do sol no retrovisor da moto).
Observação: A fumaça que esteve presente em boa parte do meu trajeto fui saber depois de chegar a Flórida que vinha do maior incêndio da história do estado do Colorado, chegando a deixar vítimas fatais e virar notícia no mundo todo.
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Quinto Dia:

 
Passar todo o dia em cima de uma motocicleta, sentindo a vibração do motor por horas, cobrindo distâncias continentais em um par de dias, pode parecer loucura. Mas parece que somos seres altamente adaptáveis, e de uma certa forma já estava me sentindo parte da motocicleta. De noite, pronto pra dormir eu sentia a mão formigando como se eu tivesse ainda segurando o guidom e mesmo nos sonhos eu ainda estava em cima da moto. As vezes eu me sentia anestesiado, e a quantidade de horas que eu havia percorrido no dia ou a que ainda tinha a percorrer já não era tão importante. No primeiro e no segundo dia era difícil não contar o tempo, mas depois a ansiedade passa, e o tempo simplesmente passa e como em um filme fui curtindo a paisagem que passava e mudava. Esse quinto dia me marcou por uma presença forte de “civilização”, cidades e trânsito. Depois de tanto andar por desertos e espaços “vazios”, quando um par de prédios e construções se aproximam a gente até estranha. Pela manhã atravessei Kansas City e devido ao horário enfrentei um trânsito que tentou me tirar do meu estado de paz. Como é fácil se chatear no trânsito, parece que esquecemos que dentro de cada máquina, (que não dá seta para mudar faixa, que cola na sua traseira, que esquece de olhar no retrovisor, que buzina agressivamente uns aos outros) existe um ser humano que talvez está atrasado para o trabalho, que perdeu o melhor amigo em um acidente, que sofreu um certo tipo de abuso. Quando me livrei do trânsito em Kansas City, eu fiquei me perguntando o que faz a população de um estado, uma cidade ou mesmo de um país agir tão diferente no trânsito uma da outra. Será que como agimos dentro de um veículo é o que somos no dia a dia? Talvez ainda buscando por respostas não me dei conta de que tinha cruzado o estado de Missouri e logo atravessava outra cidade grande que eu não tinha ideia de que fosse tão grande e interessante: St Louis! A surpresa foi ver um arco gigantesco (que eu eventualmente já tinha visto em alguma foto antes) e aprender sua localização. A vontade de parar e conhecer aquela cidade era grande, mas ela passou como em um filme e logo chegava em Mt Vernon em Illinois, para almoçar uma barra de cereais de cima da moto e seguir rumo ao sudeste cortando o estado de Kentucky e o surpreendente Tennessee! Que estado lindo! Tennessee é um dos estados por onde passa o monte Apalache e estrada que eu seguia passava por essa cordilheira cheia de curvas, sobe e desce, cachoeiras, pontes e entre essas paisagens de tirar o fôlego passei por duas outras cidades de tamanho respeitável: Nashville e Chattanooga. O pôr do sol fez seu espetáculo nas montanhas do Tennessee, mas dessa vez ele não indicava que era hora de descansar, dessa vez, meu corpo aguentou seguir viagem até às 11 da noite. O plano era cruzar toda Atlanta, para evitar qualquer congestionamento na manhã seguinte e garantir uma chegada mais cedo em Fort Lauderdale.
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Sexto dia:
 
Depois de percorrer um pedaço bom do chão da Georgia e me certificar de que a tempestade tropical Debby já estava fora da minha rota, eu podia ver aos arredores de Valdosta, as placas indicando que Flórida se aproximava. Parei em um posto de gasolina para abastecer e postei no Facebook: “Flórida à vista!” Já era quase o meu grito de vitória. Especialmente naquele caminho fui pensando em como eu era sortudo de em cinco dias de estrada percorrendo mais que o dobro do que a moto já tinha percorrido desde que saiu da fábrica, à 13 anos atrás, não ter tido nenhum problema mecânico. Eu pensei comigo quando saí de Seattle que eu deveria me preparar e aceitar que um problema seria quase inevitável, considerando essa distância. Uma vez eu li o livro: “Zen, e a Arte da Manutenção de motocicleta”. Apesar de não se aprender a consertar moto, o paralelo que o autor faz com os problemas mecânicos que ele e seu filho encontram ao cruzar os Estados Unidos (de Minnesota à Califórnia, 17 dias – um trecho bem menor que o meu) e suas discussões filosóficas, de uma certa forma me prepararam a enfrentar melhor o fato de que quando girei a chave para ligar a moto naquele posto, ela não deu sinal de vida, e suas consequências. Desconfiei da bateria, claro, e também talvez do alternador. Eu tinha duas alternativas: Tentar pegar no tranco ou encontrar um mecânico. Claro, tentei pegar no tranco, mas como era tudo plano (Flórida é tão plana que se brinca – talvez seja verdade – que o morro do descarte de lixo é o ponto mais alto do estado), não tive sucesso. Mas eu tentei de novo e de novo, fazendo todo o esforço possível com os pés, mas nada. Consegui alguns números e tentei ligar para alguns mecânicos mas como estava na estrada e longe de alguma cidade grande voltei a tentar a empurrar a moto pra frente pra trás, torcendo que ela desse sinal de vida. E eis que surge o primeiro anjo da minha viagem. Alguém surgiu pra me ajudar a empurrar a moto e na segunda tentativa para meu grande alívio: brroooomm. Segui estrada e mesmo faltando várias horas pra chegar em casa eu estava certo de que não desligaria a moto até chegar lá. Mas… Eu tinha que abastecer, será que eu podia abastecer com a moto ligada? Mas como eu abasteceria a moto se eu precisava da chave que estava na ignição pra abrir o tanque? No próximo posto, quando desliguei a moto, me senti um assassino, e como esperado ela não ligou de novo, e outra hora se foi tentando pegar no tranco e sendo ajudado por outros “anjos”. Meu plano era conseguir chegar em Orlando, onde eu sabia que poderia encontrar um mecânico e passar a noite. La cheguei, abasteci, outra hora foi gasta para ligá-la e lá fui eu tentar encontrar um mecânico. Confesso que não tentei muito. Desisti na primeira tentativa, quando vi que que o mecânico funcionava até as 18. E já era depois disso. Como faltava 220 milhas pra chegar em casa, se eu parasse em um posto a aproximadamente 100 milhas eu teria que fazer a moto funcionar no tranco apenas uma vez. Como a moto não tem mostrador de gasolina, eu estava contando com o odômetro, mas como ela ficou ligada parada em Orlando por uns 30 minutos, aquilo já não era tão preciso, e a chance de acabar a gasolina antes de chegar no posto era grande. Se alguém duvida de Murphy, dessa vez sua Lei funcionou direitinho. A moto ficou sem gasolina na saída para o posto, que ficava a 30 minutos de caminhada do outro lado da estrada. Nada mal, depois de tanto tempo na moto porque não uma caminhadinha com uma mochila gigante nas costas, capacete e apetrechos (num calor dos infernos)? Resumindo, depois de um tremendo esforço físico caminhando para o posto voltando com gasolina, empurrando a moto na rampa do viaduto, pegando no tranco (dessa vez foi fácil- na descida da rampa!) pegando no tranco outra vez depois de completar o tanque no posto (mais outra hora), e o último trecho com visibilidade restrita pela chuva, cheguei finalmente em casa tarde da noite. Cumprindo minha palavra de que eu chegaria na quarta-feira! (só pegou um pedacinho da quinta-feira…)
Da viseira do meu capacete, vi as rodas da moto passando por milhares de quilômetros, cinco “pôres” de sol, Montanhas Rochosas, Apalaches, 12 estados americanos, um carro pegando fogo, cinco carros de polícia rendendo e apontando uma arma para um sujeito, neve, deserto, chuva, 3 casas sendo transportadas por caminhões nas estradas, dezenas de veados, cachorros, e outros animais mortos na beira da estrada, centenas de outros vivos e muitas outras coisas que eu não lembro agora. Eu sei que esse post saiu gigantesco, mas se você chegou até aqui, é porque você é minha mãe, ou no fundo tem uma vontadezinha de fazer algo parecido, e eu vou dar toda a força. Eu sei que existem riscos. Aliás, para tudo na vida existem riscos. Até de ficar em casa. Eu particularmente acho muito arriscado essa atividade de sentar no sofá e assistir televisão. Não nego que curto e a pratico uma vez ou outra, mas muita gente me diz que só temos uma vida e a ideia de ver o “mundo” através de uma caixa, sem meus próprios olhos me assusta. E deve assustar o navegador Amyr Klink também. Olha o que ele escreveu:
Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”

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10 Comentários à Cruzando os EUA numa moto…

  1. Ronan 01/09/2017 at 09:45 #

    Gusti, achei teu site ontem, obviamente, sou mais um fascinado pela aventura de se aventurar nesse mundão afora… Confesso que foi o melhor que já encontrei, sobre relatos nos quais sinto uma sensação diferente dentro de mim, é como se em cada trecho de suas viagens/aventuras, eu estivesse lá, estivesse presenciando tudo em seu lugar.
    Tenho 26 anos, moro em Brasília, e sou escravo da minha rotina, isso está me matando aos poucos, e confesso que sou fraco ao ponto de não tomar uma atitude que mude a minha vida. Mas… Em teu site, pude ver que existem sim, aspectos, idéias, e aventuras de outro, que mudam nossas idéias.
    Cara, você é show, sempre sonhei em viver assim, sem apego, sem casa fixa, sempre rodando o mundo e conhecendo tudo aquilo que um dia pudemos enxergar pela televisão(filmes, sérias), ou em uma revista, internet(fotos, vídeos), e etc…
    Parabéns!!!
    Existe alguma forma de ter outro contato com você, para ficar mais inspirado? ouvir relatos em áudios, vídeos e afins?

    Abraço.

    • JAIME PEREIRA 16/09/2018 at 21:01 #

      Acho que ele parou de atualizar o site…

  2. Janjão Santiago 19/07/2013 at 20:44 #

    Não sou sua mãe (rsrs), e não só li o post todo como todos os posts desde o começo do blog até aqui. Acho que termino de ler tudo ainda este final de semana. Estou viajando junto e curtindo cada aventura. Já fiz algumas viagens e encarei algumas aventuras também. Já enfrentei grandes distâncias de moto em algumas viagens e já percorri Bolívia, Peru e Chile. Sei bem o que está passando e o tanto que está curtindo. Show demais sua história! Reiterando, mais uma vez, merece um livro.

  3. Anonymous 08/10/2012 at 21:18 #

    Gu,
    Fantástico, fico encantada de ver e saber que o Gu que conheci trasformou-se em um incrível e corajoso aventureiro. Parabéns!!!
    Elenir

  4. thiagopopó 10/07/2012 at 13:55 #

    Foi um dos seus melhores posts, realmente uma história digna de filme, com aventura, suspense e comédia, faltou só o romance para virar blockbuster!!! Nessa história não sou sua mãe, mas invejoso (no bom sentido) de um dia quem sabe fazer algo parecido! Parabéns Gust!!! Vc é muito foda!!!!

  5. Anonymous 10/07/2012 at 13:25 #

    Gust
    Li todo seu post, “apesar de não ser sua mãe”,vc é um grande aventureiro, faltou as fotos mas a suas descriçõers são quase…

    W.Whitman que andou por estas terras, também escreveu este texto que encaixa bem com vc, acho eu.

    “Esta manhã, antes do alvorecer,subi numa colina para admirar o céu povoado,
    E disse à minha alma: Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?
    E minha alma disse: Não uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho”

    Um abraço
    Mario Luiz

  6. Felipe 10/07/2012 at 00:41 #

    Aventura de dar inveja mesmo, um dia preciso fazer a rota 66 nesse estilo haha. Então quer dizer que nem tudo nos EUA são grandes corporações e que dá pra encontrar um posto de gasolina na casa de velhinhos? Mto interessante hehe. E quanto as fotos, deveria tratar de aprender a tirar foto e pilotar a moto ao mesmo tempo, é mais fácil que empurrar a moto rampa acima haha.

    Felipe

  7. William Junio 09/07/2012 at 16:12 #

    “instinto”

  8. William Junio 09/07/2012 at 16:11 #

    Não sou a mamãe, mas li ate o fim. Pois como vc mesmo disse tenho uma certa vontadezinha. Vonadezinha não! Pura adoração pelo seu intinto aventureiro e de determinão q me causa muito orgulho e inveja(inveja boa, claro). Sonho um dia em participar de uma de suas aventuras e ter o prazer de ser um coadjuvate de suas belas narrativas.

  9. solange 09/07/2012 at 01:13 #

    Eh Gustavo, sua mãe mesmo, pasma com tantas aventuras, advindas de sua grande coragem. Quantas páginas de vida real você já tem com tão pouca idade!! Você está.como disse Almir Clink,plantando suas próprias raízes.Espero serem sempre seguras. Parabéns mais uma vez, meu pequeno,grande escritor!

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