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Qual o tamanho da sua zona de conforto?

O que leva uma pessoa a querer desbravar países pobres ou marcados por Guerra? Lugares isolados que se um dia ouvimos falar estavam nos terríveis noticiários de guerra? Cuja maior parte da população restante sofreu ou ainda sofre pela perda de seus entes queridos? Qual o tipo de atração que leva indivíduos como eu a querer se aventurar por esses tipos de lugares? Seria uma curiosidade mórbida? Sádica?

Homem (um sobrevivente!) caminhando nas ruas de Mostar, Bósnia e Herzegovina. Agosto 2014

Homem (um sobrevivente!) caminhando nas ruas de Mostar, Bósnia e Herzegovina. Agosto 2014

Dois meses atrás eu terminei de conhecer todos os países da antiga Iugoslávia. Quando eu falava que estava indo visitar a Bósnia e Herzegovina; o Kosovo; a Sérvia um bocado de gente me perguntava o que eu buscava nesses países. Assim como já me perguntaram o que eu fui fazer na Etiópia, em Cuba, no Laos, nas Guianas.

Os motivos na verdade são vários, mas deixa eu tentar explicar um fenômeno que é mais consequência do que razão de se viajar por esses lugares.

Todos nós temos nossas zonas de conforto, por que nos sujeitarmos aos riscos fora de seus limites de “segurança”? Talvez o seu seja a sala de TV, o escritório, seu quarto, seu jardim. Variavelmente há os que ampliam seus círculos para um boteco, um bairro, uma cidade, um estado. Há também os que são chamados de aventureiros e estendem essa zona a outros continentes. Sua zona de conforto pode ainda não apenas se limitar à um espaço físico mas como você envolve com ela. Para muitos basta alguns copos de cerveja para estarem dentro dela. Outros necessitam outros tipos de droga. Alguns se limitam pelo grau de conforto. Conheço gente que viaja o mundo inteiro, mas não sabe se sentir “confortável” fora dos limites de seus resorts ou hotéis 5 estrelas.

bosnia e herzegovina 2

Um dos vários cemitérios na Bósnia e Herzegovina com centenas de túmulos marcando o ano de morte: 1993

Se sujeitar a conhecer países “extremos” pode ser portanto uma tentativa de ampliar esse círculo, de fazer parte de outras esferas humanas, de ganhar perspectivas que não vão te fazer necessariamente entender a humanidade e seus vícios, mas de uma certa forma te tira do pedestal que o faz pensar que você é único, que você sofre sozinho ou que você é melhor ou pensa diferente dos outros 7 bilhões de gente que habita a nossa terra.

Uma dos várias casas atingidas por bombas em Mostar, na Bósnia e Herzegovina

Uma dos várias casas atingidas por bombas em Mostar, na Bósnia e Herzegovina. Agosto 2014

A zona de conforto que ao longo da vida você constrói ao redor de si é na verdade uma ilha de ilusões, já que o risco de viver nesse espaço pode ser muito maior do que se “aventurar” por fora dela. Tente imaginar esse espaço como uma pequena ilha cercada de jacarés. Quanto menor sua ilha, maior o perigo de você ser abocanhado por um mas ainda assim você pensa que está no lugar mais seguro possível porque você se encontra ali bem no meio da ilha, muitas vezes até sozinho. Talvez com um pouco de álcool ou outras drogas você pode até esquecer que os jacarés existem, mas será que esse é realmente a forma ideal de enfrentar esses perigos?

prédio bombardeado

Alguns dos prédios bombardeados e abandonados em Belgrado, Sérvia. Agosto 2014

Se aventurar por lugares desconhecidos, explorar lugares e conhecer gente nova pode ser desconfortável a princípio mas essa é uma maneira de estender o tamanho da sua ilha. Dessa forma você não vai apenas aumentar a distância entre você e os crocodilos, mas vai encontrar outras pessoas passando por perrengues iguais ou muitas vezes bem maiores que os seus. Você vai ver gente correndo de crocodilos tão grandes que você pode pensar que viu um dinossauro. Mas não se preocupe, esses monstros não estarão atrás de você, cada presa tem seu predador e quando você perceber que não é apenas você que está correndo dos jacarés você se percebe se aproximando dessas pessoas para se tornarem algo muito maior do que o monstro que os persegue.

Quando por empatia nos conectamos com outros seres humanos, seja do mesmo bairro ou de outro continente, quando nos colocamos um no lugar do outro, uma “coisa” poderosa é formada e sabe qual o nome disso? Amor! O tão corriqueiro e quase vulgar tal do amor pode ser tão grande que não apenas será maior que os bichos que antes os perseguiam, mas te fará perceber que o jacaré era na verdade um bicho tão pequeno quanto uma lagartixa, que não pode fazer nada com você. De repente você percebe que a lagartixa também corria de outros “bichos” e você acaba permitindo que a lagartixa entre para dentro da sua ilha e sua zona de conforto apenas cresce! Que revolução! Tem gente que desenvolve ilhas tão grandes que são do tamanho do mundo! Posso nomear alguns? Madre Tereza, Jesus Cristo, Gandhi, Buddha…

Mas talvez você me pergunte, como eu vou aumentar minha ilha, se estou bem no centro dela e os jacarés estão avançando? Olhe para os outros lados! Eles estão realmente vindo de todas as direções? Sim? Olhe de novo? Continuam no seu campo de visão? Mas como? Jacarés não voam! Ahaa! Esqueceu de olhar para cima né? Olhe para baixo também, mude sua perspectiva, tire suas viseiras e você verá várias brechas onde não há jacarés. Viajar te ajuda a enxergar sem obstáculos e ver oportunidades no que antes parecia loucura ou mesmo impossível.

Quanto maior sua ilha, mais imune você estará dos perigos dos bichos “horrendos”. Talvez você um dia construirá uma ilha tão grande que nunca mais os verá! Será possível? Eu acredito que sim. Principalmente no dia em que você enxergar que muitos dos jacarés que o perseguiam eram frutos dos seus pensamentos e existiam na sua cabeça apenas.

E você, qual o tamanho da sua zona de conforto?

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8 Comentários à Qual o tamanho da sua zona de conforto?

  1. Alisson 08/06/2015 at 03:41 #

    Olá, primeira vez que comento aqui no seu blog e é com grande satisfação que o faço. Sou de São Luís-MA. Venho amadurecendo a ideia de entrar pra vagamundagem. Há muito me desperta essa vontade, mas me encontro nessa zona de conforto. Já tive experiências anteriores que até a própria família ficou bastante preocupada e isso foi fator desmotivador pra continuar, pq sempre ficava naquela de decepcioná-los, fazer algo errado pra eles. Porém, quem tem esse desejo de verdade uma hora não aguenta mais e quebra as correntes. Já viajei aqui pelo país e um pouco pela América do Sul. Ainda estou melhorando o meu inglês pra alçar voos maiores (aproveitando-me de seu gosto pela aviação.. hehe) Obrigado, portanto, por me ajudar nesse meu desejo através aqui do seu site, pois é um grande incentivo e faz perceber que não é devaneio, erro, etc! E parabéns pelas histórias! Bom, conte com mais um amigo para ajudar em eventuais situações que precisar também! Espero um dia poder conhecê-lo e dividir histórias também! Grande abraço! Alisson Viana. 28 anos.

    • Gusti 22/07/2015 at 12:27 #

      Olá Alisson,

      Fico feliz que tenha vindo aqui comentar! Comentários como o seu me ajudam a lembrar o que eu tive que passar para viver a vida de vagamundo. Sei que não é fácil romper as correntes, sei que há o medo de decepcionar as pessoas que importam por você, mas uma hora ou outra você pode pode perceber a vontade de viver da SUA forma superando todas essas coisas. Mas sabe, eu acredito em um balanço. Não é fácil jogar tudo para cima e se jogar no mundo sem considerar a opinião dos seus pais. É natural que os nossos pais tenham ideais e expectativas quanto à nossas vidas. Afinal, eles têm muito mais experiência do que a gente na arte de viver. Eles tentam nos ensinar o que aprenderam com seus erros e experiências e muitas vezes nem damos muito ouvidos. Mas alguns pais não consideram que inevitavelmente apesar de dividirmos alguns genes, somos pessoas bem diferentes, nascemos em diferentes épocas, pensamos diferentes. Mas nossos pais também erram. Nos educar não é nada fácil. Muitos têm a consciência de nos dar raízes mas esquecem de de nos dar asas. Outros dão muitas asas e esquecem das raízes mas de uma forma ou de outra, acredito sempre que eles merecem nosso maior respeito e amor, mesmo que esse amor envolva rompimento de correntes. Sei que sou afortunado por ter uma mãe e um pai que souberam me dar amor, suporte e educação mas tão importante quanto: eles me deram asas. Me permitiram alçar voos sem a necessidade de quebrar correntes de forma bruta. Se lágrimas caíram ou vão cair eu fiz tudo para que não tivesse o sabor da mágoa, mas da saudade apenas. E nisso temos um papel tão importante quanto o de se deixar ir para seguir nossos sonhos. A vagamundagem é um experimento, não é um modelo de vida. Sair da zona de conforto tem seus riscos assim como permanecer nela, como eu disse nesse texto. Por isso é importante entre outras coisas ter diálogo com sua família, tentar explicar seus planos, deixar claro seus ideais. Claro que eles não vão entender e pode esperar os contra-argumentos, mas se você mantém a cabeça e o diálogo aberto ambos vão acabar se sentindo melhor com suas decisões. Ao contrário do que possa parecer a minha vida na vagamundagem acontece com muito pé no chão, responsabilidade, elaboração de planos (A, B e C), planejamento financeiro. Sei que tem muita gente com mais coragem do que eu para se jogar no mundo de forma mais desprendida mas eu gosto do conforto de saber que eu posso sobreviver com os meus próprios esforços e trabalho e para isso eu já dediquei e ainda dedico muitas horas do meu dia. Estudar faz parte desse planejamento assim como se dedicar ao inglês e outras ferramentas necessárias para se jogar na vagamundagem. Gostaria de saber como andam seus planos e pensamentos, comunique e comente sempre que possível! Um abraço!

  2. Nilcéia 31/03/2015 at 19:38 #

    Oi acho que todos estes relatos logo logo poderão gerar um livro….lindo, sobre a vida em viagens em todos os seus aspetos interior e exterior dos seres humanos. …

    • Gusti 28/04/2015 at 04:49 #

      Ei Nicéia, tenho muita vontade de escrever um livro sim, tem muita coisa para contar e compartilhar mas o difícil é parar de viajar um pouquinho sentar e escrever hehe. Um abraço!

  3. joão cleido 14/11/2014 at 23:48 #

    Depois de degustar seus pensamentos,palavras e obras, cheguei à conclusão que a zona de conforto é pessoal,intransferível e tem a cara do seu dono,mas, o que motiva uma pessoa a viajar pelas estradas do mundo,certamente,é a ausência do medo que é o sentimento mais forte que existe sentimento esse que bloqueia até o maior e o mais belo sentimento que é o amor.A minha geração foi invadida pelo medo dos pais,das coisas,dos atos,do desconhecido; a ausência do medo projeta o imponderável,a aventura, a certeza que tudo dará certo.O medo gera a pequenez, a insegurança e, sobretudo,o desejo limitado uma vez que, como dizia Einstein,você é do tamanho do que sabe,do que conhece,do que vivencia.Fico imaginando o quanto sabia antes e o quanto sabe agora.
    Os conquistadores nas suas mais diversas formas não tinham medo e muitos,desbravadores como você, talvez sintam medo,mas, não andam com ele.
    De qualquer maneira o enriquecimento é infinito porque como disse o poeta:”tudo vale a pena quando a alma não é pequena”,
    Obrigado por me conceder esse espaço!

    • Gusti 05/01/2015 at 14:50 #

      Olá Cleido,

      Sua resposta é bem lúcida! Eu mesmo só consegui viajar pelo mundo e viver os momentos mais marcantes da minha vida depois que eu comecei a enfrentar os meus próprios medos. Eles ainda existem mas a ideia é seguir os enfrentando e vivendo a vida ao máximo!

      Um forte abraço e obrigado pelos seus comentários!

  4. Lucas 06/11/2014 at 14:35 #

    Creio que para a maioria das pessoas, a zona de conforto se define por aquilo que estamos acostumados, como a rotina, ou situações nas quais temos experiência e sabemos lidar, seja com a situação em si (pegar um avião) ou nós mesmos (como se comportar durante um terremoto, por exemplo). A zona de conforto depende também muito da flexibilidade, adaptabilidade e abertura de cada indivíduo. Alguém pode morar numa grande metropole, porém sempre se sentir incomodado pela sua diversidade cultural e religiosa, vivendo isolado em uma pequena comunidade radical no seio da cidade. Nesse caso, a pessoa vive numa atmosfera propícia a abertura, mas não é todavia capaz de expandir a sua zona de conforto, se sentindo numa ilhazinha cercada por jacarés. Eu qualificaria também esse caso de desconforto psicológico. Um desconforto físico seria o caso de um riquinho, “filhinho de papai”, mimado, indo morar e trabalhar numa cidade rural na Africa sub-sahariana. Mesmo se ele for uma pessoa psicologicamente aberta, o seu corpo está acostumado com um estilo de vida completamente diferente daquilo que ele vai encontrar: ele terá indigestão com a água, com a comida, náusea com o odor de animais, acabaria doente com picadas de mosquito e se esgotaria fisicamente do esforço físico. Até que ele se acostume com a situação, o seu novo estilo de vida não fará parte de sua zona de conforto. No entanto, esse é um exemplo extremo! Viajando, todos devem encontrar certos desconfortos físicos como uma cama de hotel dura ou uma comida ruim, mas isso não é algo tão significativo, principalmente se você desfruta dos outros aspectos do lugar, como a cultura, o aprendizado, as novas amizades, etc. Acho que um outro tipo de desconforto bem comum seria o da diferença cultural, do preconceito, ou simplesmente do desconhecido. É o caso da ultra feminista ocidental que vai morar no interior do Afeganistão. Mais uma vez, esse é um caso extremo, só pra ilustrar. Um caso mais sutil, é alguém que vem do Brasil e vai morar no interior do Quebec, que não entende de inicio (nem por dois anos) nada sobre como as pessoas se socializam lá. Então a ignorância dá espaço ao desconforto…

    Tentando imaginar qual seria o tamanho da minha zona de conforto, Gusti, eu me dei conta de uma coisa… a duração da estadia em um lugar pode alterar drasticamente o conforto que sentimos em tal lugar. Ele pode melhorar, mas pode também piorar. Imagine um viajante aberto as diferenças, mas que possui valores fortemente liberais, indo passar um tempo em uma ditadura. Por uma estadia mais ou menos definida (ele sabe que vai embora de lá), ele provavelmente se misturaria com os outros, pois ele respeita as diferenças. Mas se ele tivesse que morar lá por um indeterminado período de tempo? A falta de liberdade provavelmente o incomodaria, principalmente porque ela não é fruto de uma cultura, mas dos abusos de um déspota. Pessoalmente, eu me sentia desconfortável no Brasil por causa de tanta corrupção, injustiça e violência combinada com a inação do povo. E no Interior do Quebec, mesmo conhecendo a cultura nativa, eu não me sinto tão confortável assim morando lá. Eu poderia muito bem voltar de ferias para os dois lugares, só de turismo, pra conhecer, e eu me sentiria bem confortável. Mas morar já é outra história! Pois temos outros valores pessoais além do respeito, como igualdade, justiça, liberdade… os quais desejamos que estejam presentes em nossa casa.

    Agora eu te pergunto, Gusti: de todos os lugares que você visitou, há algum lugar em que você se sentiria confortável morando indefinidamente? Ou mais cedo ou mais tarde a rotina e o comodismo te incomodariam, e suas azas começariam a coçar de vontade de voar pelo mundo de novo? Gusti, não creio que a sua zona de conforto consista num espaço físico, mas um estado de movimento. Você sem dúvida tem a capacidade de encontrar conforto no mundo inteiro, desde que você não pare de andar/voar.

    No mais é isso ai, Gusti! Aquele abraço!

    • Gusti 05/01/2015 at 15:18 #

      Lucas, você pegou em um ponto importante. Talvez seja verdade que minha zona de conforto não consista em um espaço físico, embora viver viajando me traga alguns desconfortos acho que eu tenho até medo de me apegar com um lugar para fincar raízes, talvez seja por isso mesmo que não encontrei esse lugar. Acho que não estou preparado para isso. É muito bom poder ler sua perspectiva já que no último quinto da minha vida eu não parei indefinidamente em um lugar e acho que nem tinha parado para pensar o quão relevante é o tempo na definição da nossa zona de conforto!

      Forte abraço!

      Gustavo

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