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Qual a melhor parte do seu dia?

Eu escutaria essa pergunta quase todos os dias enquanto eu aprendia a pilotar em Seattle e invariavelmente eu responderia: “Voar”. Os dias em que eu não pudesse voar eu teria que vir com alguma resposta do tipo: “As nuvens”. Então ela me pediria para falar mais sobre elas. Talvez ela não estivesse muito interessada em saber se eram altostratus ou stratoscumulus, mas na minha inocência eu responderia tecnicamente, com todos os detalhes. Ela escutaria com toda a atenção e absorveria tudo o que eu tinha para dizer. Inevitavelmente ela iria esquecer   já que ela estava no estágio inicial da doença de Alzheimer.Barb e eu num barco

 

Com o passar dos dias, ela me faria aquela mesma pergunta com mais frequência. Talvez duas, três ou mais vezes por dia. Eu não me importava de responder o mesmo outra e outra vez. No caminho eu estava praticando meu inglês enquanto ela corrigia minha pronúncia. Seu nome era Barb, uma professora entre outros, de inglês. Provavelmente por causa de sua profissão uma das últimas habilidades que a doença lhe roubou foi a sua fala e também sua apreciação pela vida. Quando a morte parece estar mais perto, a gente aprende a rever valores, mas eu podia perceber que seu otimismo era parte de seu espírito e não de seu estado.

Eu conheci a Barb aproximadamente na mesma época quando ela foi diagnosticada, há uns cinco anos atrás quando os médicos diziam que ela “viveria” ainda uns cinco anos mais. Durante esse período difícil, ela e seu marido não apenas me deram boas vindas a sua casa, como me fizeram também sentir como parte da família. A rápida conexão que eu tive com ela é algo difícil de explicar e eu tenho que admitir que eu tenho lágrimas nos olhos enquanto escrevo essas linhas e muitas vezes quando penso sobre isso. Meu sentimento foi de que tínhamos nos reconectado depois de nos estarmos separados por muito tempo e que a gente teria um tempo limitado para estarmos juntos antes que ela tivesse que partir de novo.

Sua pergunta favorita, martelaria na minha cabeça muitas vezes por dia até mesmo quando estávamos distantes um do outro e isso teve um efeito muito grande na minha vida. Numa época em que eu acostumava a sonhar acordado a maior parte dos dias eu iria aprender que o dia mais importante na nossa vida não está no futuro nem no passado. É o dia de hoje. É onde/como estamos, quem somos agora mesmo. Estar consciente do agora, sem máscaras, fantasmas do passado ou medos do futuro pode ser um desafio a alcançar, mas é também uma graça. Com isso ela mantinha um sorriso constante no rosto, mesmo sabendo da doença que aos poucos foi tirando toda sua referência de passado ou futuro. Barb e seu marido já viajaram para várias partes do mundo de diversas formas. A primeira filha nasceu nas Filipinas por exemplo. Eu gosto de acreditar que ser uma viajante a ajudou a lidar com a doença e com a vida como ela fez com maestria.

Eu nunca tive a oportunidade de levar a Barb para voar, mas eu penso constantemente nela quando eu voo. Ela fez parte significativa no meu desafio de aprender a voar, de aprender inglês e também no meu voo de mais de 100 horas em um pequeno avião do Canada ao Brasil. Por essa causa e em sua homenagem decidi colocar na matrícula de um aviãozinho que eu pilotei até o Brasil, suas iniciais. O avião ficou agarrado em solo por mais de meio ano esperando uma autorização da ANAC e uma vistoria para voar pela primeira vez com seu novo registro brasileiro. Barb nos deixou no dia 25 de Julho/2013. No dia seguinte coincidentemente o avião estava liberado para voar e meu amigo piloto, Karol, decolou após ouvir da torre de controle do aeroporto da Pampulha: PP-BLJ (Barb Louis Johnson), decolagem autorizada.

Barb está livre, sem limites e agora que ela se foi eu ainda posso ouvi-la me fazendo sua pergunta favorita, e ela sabe, onde quer que ela esteja, que a resposta agora é a memória dela me perguntando:  “ Qual a melhor parte do seu dia? ”

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16 Comentários à Qual a melhor parte do seu dia?

  1. Michelli 20/07/2014 at 01:55 #

    Qual a melhor parte do seu dia !!
    Dê certa forma, somos construtores de sonhos, de ideias, de vida…
    Não existem técnicas, mas existem sentimentos, e com eles, determinadas forças que nos motivam… A melhor parte de todos os meus dias, com certeza, é aproveitar cada segundo, seja com a família, seja observando os pequenos e profundos detalhes das coisas simples da vida…
    Cai sem querer por aqui, procurando destinos, procurando fotografias…e me emocionei com diversas histórias que aqui encontrei… Parabéns por construir um blog tão rico de conteúdo e tão profundo…

    • Gusti 22/07/2014 at 01:19 #

      Que bacana Michelli o que voc6e escreveu aqui! Sei que viver no presente é uma das coisas mais saudáveis da vida, mas as vezes ainda é um desafio pra mim. Tento sempre me lembrar da Barb, quando estou preocupado ou pensando demais no futuro. É como se eu a ouvisse me chamando para o aqui, agora! Por favor, volte sempre e me de o prazer de ler seus outros comentários! Um abraço!

  2. Lucy Reis 14/03/2014 at 20:14 #

    O título deste post “Qual a melhor parte do seu dia?” fisgou-me de tal modo que fiquei refletindo…Sem dúvida,uma pergunta para todos nós respondermos todo final do dia ou da noite,e sermos gratos pela melhor ou melhores partes de nossas vidas acontecerem de tal modo que parece que sonhamos acordados!Grata pelo texto belíssimo,Gustavo!

    • Gusti 16/03/2014 at 01:13 #

      É sempre muito bom valorizar nossos dias né Lucy, pena que a gente esquece facilmente disso. Fico feliz que tenha gostado do texto. Mesmo do lado de lá, a Barb continua viva nessas lições!

      Um abraço!

  3. Juli 30/01/2014 at 12:58 #

    “Numa época em que eu acostumava a sonhar acordado a maior parte dos dias” … ando assim..
    Belo relato, linda história. Se reconectar com algo ou alguém deve ser algo inexplicável. Obrigada.

    • Gusti 30/01/2014 at 14:24 #

      Oi Juli, sonhar acordado faz parte do processo de ver nossos sonhos realizados… Nunca deixe de sonhar!

  4. Gisele 27/01/2014 at 16:48 #

    Não sou de chorar com textos, filmes e etc, mas transbordei de lágrimas ao ler. A história e seu jeito de contá-la me tocaram profundamente. Agora estou refletindo para entender o porquê. Muito lindo.

    • Gusti 27/01/2014 at 16:59 #

      Oi Gisele, não sei se fico feliz por isso, mas valeu pelo comentário! 🙂

      • Gisele 31/01/2014 at 22:13 #

        ahahah! Pode ficar feliz! O post foi de tanta sensibilidade que me emocionou! 🙂

  5. 06/09/2013 at 01:29 #

    Gustavo, que texto lindo! Expressa seu coração sincero, verdadeiro e amoroso! Estou certa de que Bárbara gostou e gosta muito de você e que sua presença na casa dela lhe trouxe muita alegria!bjs. Jô

  6. solange 19/08/2013 at 22:38 #

    Dear son, I was there two years ago and could live besides her. I know the wonderful relationship of both, and I am very proud of you about your feelings and your precious words, Congratulations I love you.

  7. Air Commander 19/08/2013 at 21:53 #

    Parabéns Gustavo !!!

  8. Air Commander 19/08/2013 at 21:53 #

    Parabéns Gustavo !!!

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